Pinte menos, leia mais e vá rezar em outro terreno

 


Há dez anos, uma curiosa moda me chamou a atenção, tanto que escrevi sobre isso: os livros de colorir para adultos. Eles caíram no esquecimento em pouco tempo, mas hoje voltaram com força, junto a algo que é de arrepiar os cabelos e que me impede de escrever um texto tão esperançoso quanto o da década passada.

Junto aos livros de colorir para adultos, quem vem dominando as listas dos livros mais vendidos no Brasil são os devocionais. São tão presentes que vi, com assombro, o vídeo de uma professora e sua turma indo em direção a uma feira literária e mais de um adolescente afirmou que queria comprar “Café com Deus Pai”.

Há, é claro, um efeito manada. Não são poucas as pessoas que entram em livrarias e perguntam pelos mais vendidos, como se sucesso de venda fosse sinal de alta qualidade literária. Há também aquelas pessoas que querem estar em sintonia com o momento e leem o que está na moda. Quanto mais famoso, mais se vende. Nada de novo no front aqui.

O sucesso desses dois tipos de livros pode ser explicado por duas coisas. A primeira é o fenômeno do “brain rot”, que uma simples busca na internet é suficiente para nos esclarecer que é uma estafa mental pelo consumo excessivo de conteúdos digitais de baixa qualidade. Eu iria além: sofremos de “brain rot” porque nos cansamos de ligar a TV ou abrir uma rede social só para ver o novo absurdo que saiu da caneta de Trump ou o suposto problema nas tripas do nosso ex-presidente inelegível.


Outro fator que explica o sucesso destes livros na verdade são três. Aprendi numa palestra na semana passada que, para ter êxito, um livro precisa atender a uma ou mais das três necessidades:

1-    Ensinar uma nova habilidade

2-    Estimular um novo hábito

3-    Mudar a forma de ver o mundo

Os livros best-sellers do momento atendem às três necessidades, se você considerar “pintar dentro das linhas” uma habilidade importante para os adultos. Mais do que isso, são reflexo dos nossos sombrios tempos.

Há algumas semanas o Jornal Nota, do qual sou colaboradora na área de cinema, perguntou se estamos realmente mais religiosos, haja vista a presença de livros religiosos entre os mais vendidos. Meses antes, o Nota já havia sido cirúrgico ao comentar o sucesso dos devocionais: é parte de um projeto de dominação.

Terminei o texto anterior dizendo que os bons e velhos livros com real conteúdo, sejam poemas ou histórias com começo, meio e fim, sempre terão seu espaço. Resta agora saber se os leremos ao ar livre ou presos nas catacumbas a que seremos relegados se o processo de dominação e poder neopentecostal for bem-sucedido.

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