Resenha: Cartas de Amor de Virginia Woolf e Vita Sackville-West

 

Quando foi que você recebeu sua última carta de amor? Se você alguma vez já recebeu uma carta de amor, deve ter sido há algum tempo e por isso pode reclamar que o romance está morrendo. A própria ação de escrever cartas é hoje algo romântico, “ainda que novidades sejam a última coisa que uma pessoa quer ou espera encontrar em cartas”, escreveu Vita Sackville-West justamente numa carta para Virginia Woolf. É sobre a correspondência destas duas literatas, além de entradas de diário, que trata o livro “Cartas de Amor”.


 

Em 1922 Vita Sackville-West era uma famosa escritora e socialite de 30 anos. Por outro lado, aos 40, Virginia Woolf ainda engatinhava na literatura. Um século depois, a posição se inverteu: quase todo mundo já ouviu falar de Virginia Woolf, e Vita saiu do cânone, sendo mais conhecida por sua vida amorosa.

 

Fascinação foi o sentimento mútuo no primeiro encontro, num jantar em finais de 1922. Dias depois de conhecê-la, Vita já diz para o marido “amo a Sra Woolf com uma paixão doentia”. Foi amor à primeira vista, mas não concretizado de cara. Era, pois, um romance entre duas mulheres casadas, mas foram as vicissitudes da vida que adiaram a consumação, não os pormenores e preconceitos. Foi então que, em setembro de 1925, Vita percebeu que Virginia era, em suas próprias palavras, extraordinária. Foram os mesmos três anos necessários para Virginia finalmente escrever no seu diário “concluo que realmente gosto dela”. Mas aí já havia sido registrado no diário de Vita, com um ponto de exclamação, um encontro íntimo entre as duas.

 

Como boas autoras, Vita e Virginia trocaram seus livros entre si, e literatura é o assunto de muitas das cartas. Vita era predominante poetisa, Virginia era romancista. Eram, portanto, literariamente complementares, mas Vita as via como opostas, tanto é que escreveu: “comparo minha escrita analfabeta com a sua erudita, e fico envergonhada”. Nas cartas temos a oportunidade de ver “Orlando” nascendo, livro que Virginia declarou ter a ideia para ele vindo-lhe de um jorro. Há outras dicas de escrita, como Vita afirmando que “não se pode escrever de nenhum outro jeito a não ser do próprio”, enquanto para Virginia “um romance, (…), para ser bom precisa parecer, antes de ter sido escrito, inescrevível”.



Quando “Orlando” é publicado, vemos a reação dos primeiros leitores. Vita, inspiração para a personagem principal, fica maravilhada e as vendas são sucesso, mas nada importa para Virginia: ela escreve no diário: “A alegria da vida está no processo (…) Quero dizer, é a escrita, e não o ser lida, que me entusiasma.” Isso vem de ninguém menos que Virginia Woolf: se todo escritor, eu inclusa, pensasse assim, haveria bem menos frustração na nossa profissão.

 

Outro trecho intrigante sobre escrita, de uma carta de Vita: “O livro que a pessoa está escrevendo no momento é de fato a parte mais íntima dela, e a parte em relação à qual guarda o mais completo segredo”.

 

Depois de voltar de uma longa viagem pela Ásia, ricamente contada nas cartas, Vita já confessa que Virginia “é a melhor companhia do mundo, e a mais estimulante”. Ela não esconde nada do marido Harold, com quem tinha um moderno relacionamento aberto, incluindo a declaração: “Sou absolutamente dedicada a ela, mas não estou apaixonada”. E aí surge a questão: o que seria então estar apaixonada?

 

Virginia associa Vita a um golfinho dando piruetas e a chama de “seu velho saca-rolhas desconjuntado”. É um lado da autora que nos surpreende, ao mesmo tempo em que achamos fofo. Outra fofura: Virginia se refere a si mesma como Potto, em alusão a este primata exótico:


 

Em muitas cartas se menciona que Virginia sofre de paralisantes dores de cabeça, ao que Vita se compadece e se entristece por a amada estar sofrendo. Você deve saber que a vida e carreira de Virginia foram interrompidas por seu suicídio. Com isso em mente uma confissão de 07/02/1929 assusta e angustia: “eu teria acabado comigo há muito tempo durante uma dessas doenças se não fosse por ele [Leonard, seu marido]”.

 

Fernando Pessoa começou um poema dizendo que cartas de amor são ridículas e terminou afirmando que ridículo é quem nunca escreveu uma carta de amor. Por isso só temos a agradecer pela oportunidade de ver essas duas grandes, apaixonadas e apaixonantes escritoras sendo ridículas.

 

Frase favorita (e verdadeira sobre mim): “você gosta mais das pessoas pelo cérebro do que pelo coração” (pg. 35)

 

O veredicto: 5 minions!


 

EXCELENTE!

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