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Resenha: Depois que as luzes se apagam, de Tadeu Rodrigues

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  Pode uma história feita de clichês ser completamente original? Se estivermos falando do laureado romance de Tadeu Rodrigues, “Depois que as luzes se apagam”, a resposta será um sonoro SIM. Partindo de clichês nada baratos, ele conta a amizade entre um ancião e uma criança doente que nos arrebata, nos emociona, nos faz sonhar e por fim nos surpreende. Estevão tem oito anos. Nosso narrador, oitenta. O que une um ao outro é a finitude: Estevão é um menino doente, nosso narrador, apesar de aparentemente são, também está no fim da vida. Estevão é morador do terceiro andar do Edifício Fabuloso, onde nosso narrador também mora, num quartinho próprio para abrigar o porteiro do prédio. Em vez de ir à escola, Estevão perambula pelo prédio, até chegar ao quartinho do porteiro. Lá, nasce uma amizade nada improvável. Neste edifício de nome imponente a amizade se desenvolve na portaria e no saguão, culminando com a montagem de um circo de papelão. Com uma persona de palhaço que é “um tanto C

Resenha: coletânea de contos “Cor Não Tem Gênero”

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  Desta vez, uma coisa diferente: uma resenha de uma coletânea que reuniu oito autores para contar histórias LGBTQIA+. Em cada parágrafo, algumas impressões sobre os oito textos que li para encontrar inspiração para um conto no qual estou trabalhando. O primeiro conto, “Tudo que não precisa ser dito”, foi escrito por Luiz Gouveia. Nele, um estudante de uma arcaica escola só para meninos localizada - presumo pelos nomes dos personagens - na Inglaterra ou outro país de língua inglesa se apaixona por um novo colega de classe. Não é a primeira paixão dele por outro menino - sendo que, numa ocasião anterior, seu sentimento foi considerado doença. O conto se passa numa época em que homossexualidade era considerada crime, daí a relação dos meninos estar duplamente em perigo. Tudo parece muito comum no conto, até que chegamos ao clímax: aí há uma divisão, com dois finais possíveis, e cabe ao leitor escolher o final para o amor proibido entre Sebastian e Augustus. “Camisetas, cores e confus

Resenha: A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath

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  Existem livros que entram na nossa vida e ficam na nossa lista de “próximas leituras” por muito tempo, até surgir a oportunidade perfeita. “A Redoma de Vidro” foi um desses livros. Ouvi falar através de amigas - que inclusive o têm como livros que mudaram a vida delas - e sempre quis lê-lo. O grande dia chegou, quando foi escolhido como livro do mês do clube de leitura Feito por Elas. Li-o, apreciei muito a prosa única de Sylvia Plath, e terminei-o num dia sugestivo: no segundo aniversário de minha tentativa de suicídio. Conhecemos Esther Greenwood quando ela está fazendo um estágio numa revista em Nova York. Nesta primeira metade do livro, suas interações com as outras meninas que moram no mesmo hotel que ela são o ponto alto da narrativa. É pelos olhos de Esther que conhecemos Doreen, Betsy, Hilda e outras que são só citadas. Mesmo em um meio glamouroso e excitante, Esther já demonstra certa apatia, bastante presente, por exemplo, em sua birra com filmes em Technicolor, que eram a

Resenha: Constelação de Gênios, uma biografia do ano de 1922, de Kevin Jackson

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  O que faz de um ano extraordinário? Nas nossas vidas de reles mortais, pode ser um acontecimento, um marco, uma grande viagem ou uma conquista espetacular. Mas e se estivéssemos falando mais objetivamente: o que faz de um ano extraordinário? 1922 certamente foi extraordinário para muitas pessoas que o viveram, mas por si só, pelas coisas que aconteceram neste ano, 1922 pode ser considerado extraordinário. É isso que defende, em um calhamaço de quase 600 páginas, o autor Kevin Jackson. E é essa biografia do ano de 1922 que eu me comprometi a ler em 2022, cem anos após os fatos narrados terem acontecido. 1922 é o ano em que se passa a ação do grande romance norte-americano “O Grande Gatsby”. Foi o ano em que estrearem filmes como “Robin Hood” de Douglas Fairbanks, “Nosferatu” e “Häxan”. Foi o ano da nossa Semana de Arte Moderna. E foi o ano em que duas obras literárias seminais foram publicadas: o romance “Ulisses” de James Joyce e o poema “A Terra Devastada” de T.S. Eliot. O livro t

Magra de Ruim, de Sirlanney

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  Primeiro de tudo, uma confissão: não costumo ler quadrinhos. E é por isso que comecei desgostando de ler “Magra de Ruim”: eu não estava preparada para aquele ritmo. O quadrinho mais recente que li foi “A Diferença Invisível”, obra francesa que contava uma história única. Foi por isso que comecei “Magra de Ruim” esperando também uma história única, ou ao menos várias histórias curtas. Mas a diferença dos traços, das cores, dos estilos logo me disse que era outra coisa: este era um livro reunindo vários quadrinhos já publicados na web ao longo dos anos. Não conhecia Sirlanney antes de receber o livro. Hoje sei que se trata de uma quadrinista e artista plástica com milhares de seguidores nas redes sociais, e que seu livro “Magra de Ruim” tem uma versão mais recente, de 2016 – a minha é a primeira versão. Assim como acontece com livros de poesia, achei este livro difícil de julgar objetivamente, atribuindo nota. É injusto dar uma nota para um livro desses, creio eu. Como também é inj

Resenha: A Correspondência de uma Estação de Cura, de João do Rio

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  “A Correspondência de uma Estação de Cura” é caso raro na literatura brasileira: um romance epistolar, isto é, com sua prosa composta por cartas. Igual a este temos, na literatura alemã, o famoso “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe. Mais curioso que a maneira como o romance é construído é, para mim, o fato de que ele se passa em minha cidade, a pequena Poços de Caldas, que há um século era uma das mais disputadas estações termais do Brasil. Li o livro, que há muito conhecia de nome é me intrigava, por ocasião dos 150 anos da cidade. As cartas são escritas por todos os tipos que se encontravam na estância na temporada de 1917: gente da elite paulista e carioca, jovens mancebos com segundas intenções, criados de hóspedes, um gerente de um hotel, moças buscando ao mesmo tempo a diversão e o amor, uma cantora que usa um pseudônimo para nunca descobrirem que, para ganhar a vida, ela cantava em estações termais. Em uma carta é possível encontrar passagens já narradas por outras

Resenha: A Cachorra, de Pilar Quintana

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  Mãe de planta. Mãe de pet. Mãe de gente. Mãe de anjo. A maternidade - e a maternagem, esse termo que não tínhamos o costume de usar - mudou muito nos últimos tempos. “Ser mãe” vai muito além de ter filhos biológicos, e cada vez mais passa a ser visto como algo associado a dar afeto - muitas vezes com segundas intenções, até mesmo no discurso de que mulheres precisam ter filhos para serem cuidadas por eles na velhice.   Por vermos agora tantas facetas diferentes da maternidade, surgem, nas mídias diversas, várias obras sobre maternidade. Uma delas é o romance “A Cachorra”. Damaris é uma mulher pobre que vive numa vila litorânea perto da região de Cáli, na Colômbia - um bocado distante do point turístico litorâneo do país, Cartagena. Ela é casada há mais de 20 anos com Rogelio, e se ressente muito por nunca ter conseguido engravidar. Como “profissão”, toma conta, aparentemente sem receber salário, de uma casa de veraneio cujos donos não aparecem há décadas para passar as férias. Damar