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Resenha: Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles

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  Ah, a infância! Época de brincadeiras mil, sem preocupações nem deveres além dos da escola. Que saudade tantos têm dela, como Casimiro de Abreu com seus oito anos e a aurora da vida. Mas a infância também pode ser sombria e dramática. Uma infância assim, com problemas que inclusive arrepiariam gente grande, nos é apresentada em “Ciranda de Pedra”, da grande escritora Lygia Fagundes Telles, como prelúdio para uma idade adulta não menos conturbada. Lygia salpica informações para que nós juntemos as pecinhas da narrativa, que é sobre Virgínia, filha do casal separado Laura e Natércio, irmã mais nova de Bruna e Otávia, amiga de Conrado e Letícia, enteada de Daniel, a quem chama de “tio”. Sempre comparada com as irmãs pela governanta Frau Herta, empregada do pai, Virgínia tem uma revelação terrível no final da primeira parte e começa a segunda como aluna-exceção – afinal, era filha de pais separados, um escândalo! – da escola de freirinhas, na qual sua “preferida” era Irmã Mônica....

Retrospectiva 2024

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  No Twitter – que sucumbiu conhecido como X e voltou xoxo, capenga, manco, anêmico, frágil e inconsistente – cheguei a dizer que fiquei nove anos sem publicar um livro, mas num único ano publicaria cinco títulos. Foram cinco títulos, mas três livros, pois em 2024 lancei minha carreira como escritora internacional para além de minhas críticas de cinema. O ano começou com uma peleja: estava tendo dificuldades para publicar a versão em inglês do Dossiê Agnès Varda, chamado The Agnès Varda Files. Consegui solucionar o problema nos primeiros dias do ano, mas a versão em português, publicada em dezembro de 2023, fez bem mais sucesso. Chegamos ao vigésimo quarto lugar nas categorias “História, teoria e crítica” e “Cinema e televisão”. E quem leu aprovou! Durante 2024, fui selecionada para três antologias do Projeto Apparere da Editora PerSe, pela qual publiquei meus dois primeiros livros, há mais de uma década. Pretendo prestigiar meus colegas escritores lendo os textos deles nas ant...

Apresentando a Menina Bonita com Mania de Fita

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  Meu principal projeto literário de 2024 foi publicar meu primeiro livro infantojuvenil em três línguas: português , inglês e espanhol . Como muito me interessa a inclusão e acessibilidade, este livro conta com QR Code para acessar a audiodescrição das ilustrações. E que ilustrações! Entrei em contato com uma ilustradora que admirava à distância faz tempo, a Clara Assis , para que ela bolasse imagens do jeitinho que eu queria, com um toque retrô inspirado no filme “Fazendo Fita / Show People” (1928). Este é um livro autobiográfico. É sobre uma menina que sofreu bullying e o venceu, é o que diz a sinopse. E o venceu, já dando um pequeno spoiler, com ajuda da sétima arte, ele, minha paixão: o cinema. O título do livro tem duas explicações. A primeira é bem óbvia: foi inspirado em “Menina Bonita do Laço de Fita”, de Ana Maria Machado, clássico da literatura infantil que só fui ler já adulta. Uma curiosidade: como a autora, minha mãe se chama Ana Maria – mas não é Ana Maria Machado, e...

Resenha: A contadora de filmes, de Hernán Rivera Letelier

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Cinema é tudo para mim. Foi o que me deu forças para continuar no momento mais difícil da minha vida. É o meu combustível diário, minha paixão, minha profissão*. Sem cinema tenho sintomas de abstinência, e a vida perde um pouco o colorido. Por isso eu leio tudo sobre cinema. Por isso eu li “A contadora de filmes” há muitos anos. Por isso reli o livro para refrescar a memória e me preparar para a estreia da adaptação cinematográfica. Maria Margarita é a mais nova entre cinco irmãos, todos os outros homens. O pai sofrera um acidente de trabalho nas minas de sal, deixando-o paralisado da cintura para baixo. A mãe abandonara a família quando a desgraça se abateu. O dinheiro era contado, para os bens essenciais e para o bem mais essencial para a mente: uma ida semanal ao cinema. Houve um concurso entre os filhos: quem contasse melhor o filme visto, com mais riqueza de detalhes, ganharia o direito - o dever! Um dever deveras prazeroso - de ir semanalmente ao cinema e voltar para casa para ...

Papel & Película: Ainda Estou Aqui (2024)

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  *A coluna Papel & Película trata de literatura e cinema através de artigos sobre adaptações de obras literárias para o audiovisual. Escrevi a coluna semanalmente durante alguns anos para o finado site Leia Literatura. Este é um artigo inédito* Eu não podia deixar de participar do maior evento cinematográfico do Brasil em 2024: a estreia do nosso candidato ao Oscar e premiado no Festival de Veneza. “Ainda Estou Aqui” já é um sucesso comercial imenso, com mais de 8,5 milhões arrecadados no primeiro final de semana de exibição nos cinemas. Fui no quinto dia após a estreia e contribuí com meus 39 reais para a bilheteria. E não saí da sessão nem um pouco decepcionada. A história contada é de quem fica. Quem fica é Eunice Paiva (Fernanda Torres). Quem vai é seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello). Vai, não: é brutalmente levado por agentes da ditadura para “prestar depoimento”. Dias depois Eunice e sua filha adolescente também são levadas para depor e passam por t...

Resenha: Fundo, de Beatriz Aquino

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  Um livro que é como um mergulho: assim Beatriz Aquino, minha amiga, definiu seu “Fundo”, desejando na dedicatória “bom mergulho”. Ora, para todo bom leitor, não é todo livro um mergulho? Mas este é diferente: além de todas as metáforas aquáticas, tem uma narrativa que envolve e surpreende, como o próprio mar. Durante um bom tempo de leitura, convenci-me de que cada capítulo poderia ser lido como um conto, tão vastas eram as narrativas e vivências das mulheres protagonistas. Esqueci-me de que somos múltiplas, e podemos abrigar em nós vivências também múltiplas, mesmo sendo um indivíduo apenas. Foi depois de mais de quarenta páginas que me dei conta de que era uma narrativa não-linear cronologicamente, mas sobre uma só pessoa: a protagonista Ana.  Violentada pelo pai na infância e mandada para São Paulo logo depois, não para fugir do escândalo mas para fugir da fome, Ana seguiu a cartilha da vida: formou-se, passou um tempo estudando fora, flertou, namorou, casou, adquir...

Resenha: Rubaiyat, de Omar Khayyam

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  Virava e mexia, eu entrava no escritório do meu avô e encontrava o livro “Rubaiyat” de Omar Khayyam em cima da escrivaninha. Depois que meu avô se foi, resolvi lê-lo para entender melhor quem foi aquele homem, minha única figura paterna. Ler os livros favoritos de uma pessoa pode ser uma revelação. “Rubaiyat” é um livro de poemas curtos escritos ao longo de vários anos no século XII. O nome da compilação foi dado pelo tradutor inglês Edwards Fitzgerald e significa “quarteto”. Fernando Pessoa foi bastante influenciado pela tradução de Fitzgerald, tanto é que sua edição pessoal, com notas de próprio punho, permanece em exposição na Casa Fernando Pessoa em Lisboa. No Brasil, em 1966 Manuel Bandeira publicou suas traduções para as quadras. Os poemas versam sobretudo acerca da finitude da vida, da necessidade de aproveitar os amores e o vinho antes que seja tarde demais. O tom lúgubre de muitos destes versos se refletia perfeitamente em meu avô, pessoa super-preocupada e taciturna...