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Pinte menos, leia mais e vá rezar em outro terreno

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  Há dez anos, uma curiosa moda me chamou a atenção, tanto que escrevi sobre isso: os livros de colorir para adultos . Eles caíram no esquecimento em pouco tempo, mas hoje voltaram com força, junto a algo que é de arrepiar os cabelos e que me impede de escrever um texto tão esperançoso quanto o da década passada. Junto aos livros de colorir para adultos, quem vem dominando as listas dos livros mais vendidos no Brasil são os devocionais. São tão presentes que vi, com assombro, o vídeo de uma professora e sua turma indo em direção a uma feira literária e mais de um adolescente afirmou que queria comprar “Café com Deus Pai”. Há, é claro, um efeito manada. Não são poucas as pessoas que entram em livrarias e perguntam pelos mais vendidos, como se sucesso de venda fosse sinal de alta qualidade literária. Há também aquelas pessoas que querem estar em sintonia com o momento e leem o que está na moda. Quanto mais famoso, mais se vende. Nada de novo no front aqui. O sucesso desses dois...

Papel & Película: O Livro da Discórdia (2022)

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  *A coluna Papel & Película trata de literatura e cinema através de artigos sobre adaptações de obras literárias para o audiovisual e também filmes sobre livros. Escrevi a coluna semanalmente durante alguns anos para o finado site Leia Literatura. Este é um artigo inédito* “Quando um escritor nasce numa família, esta família está ferrada” - a frase é mais ou menos assim. Citada no filme por um apresentador de televisão, que diz que Philip Roth a citava, mas era de autoria de outro escritor, não nomeado. Esta frase sem autoria clara é perfeita para descrever um tipo de inspiração comum entre os escritores, mas que pode causar muitos problemas. Escreva sobre o que você conhece, alguém pode aconselhar. E conhecemos poucas coisas tão bem quanto a nossa família. Mudando nomes e gêneros, inventando situações e desmascarando outras ocultas, o escritor Youssef Salem (Ramzy Bedia) costura a trama de um romance entitulado “Choque Tóxico”. Na vida real, Youssef tem duas irmãs e um...

Resenha: Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles

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  Ah, a infância! Época de brincadeiras mil, sem preocupações nem deveres além dos da escola. Que saudade tantos têm dela, como Casimiro de Abreu com seus oito anos e a aurora da vida. Mas a infância também pode ser sombria e dramática. Uma infância assim, com problemas que inclusive arrepiariam gente grande, nos é apresentada em “Ciranda de Pedra”, da grande escritora Lygia Fagundes Telles, como prelúdio para uma idade adulta não menos conturbada. Lygia salpica informações para que nós juntemos as pecinhas da narrativa, que é sobre Virgínia, filha do casal separado Laura e Natércio, irmã mais nova de Bruna e Otávia, amiga de Conrado e Letícia, enteada de Daniel, a quem chama de “tio”. Sempre comparada com as irmãs pela governanta Frau Herta, empregada do pai, Virgínia tem uma revelação terrível no final da primeira parte e começa a segunda como aluna-exceção – afinal, era filha de pais separados, um escândalo! – da escola de freirinhas, na qual sua “preferida” era Irmã Mônica....

Retrospectiva 2024

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  No Twitter – que sucumbiu conhecido como X e voltou xoxo, capenga, manco, anêmico, frágil e inconsistente – cheguei a dizer que fiquei nove anos sem publicar um livro, mas num único ano publicaria cinco títulos. Foram cinco títulos, mas três livros, pois em 2024 lancei minha carreira como escritora internacional para além de minhas críticas de cinema. O ano começou com uma peleja: estava tendo dificuldades para publicar a versão em inglês do Dossiê Agnès Varda, chamado The Agnès Varda Files. Consegui solucionar o problema nos primeiros dias do ano, mas a versão em português, publicada em dezembro de 2023, fez bem mais sucesso. Chegamos ao vigésimo quarto lugar nas categorias “História, teoria e crítica” e “Cinema e televisão”. E quem leu aprovou! Durante 2024, fui selecionada para três antologias do Projeto Apparere da Editora PerSe, pela qual publiquei meus dois primeiros livros, há mais de uma década. Pretendo prestigiar meus colegas escritores lendo os textos deles nas ant...

Apresentando a Menina Bonita com Mania de Fita

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  Meu principal projeto literário de 2024 foi publicar meu primeiro livro infantojuvenil em três línguas: português , inglês e espanhol . Como muito me interessa a inclusão e acessibilidade, este livro conta com QR Code para acessar a audiodescrição das ilustrações. E que ilustrações! Entrei em contato com uma ilustradora que admirava à distância faz tempo, a Clara Assis , para que ela bolasse imagens do jeitinho que eu queria, com um toque retrô inspirado no filme “Fazendo Fita / Show People” (1928). Este é um livro autobiográfico. É sobre uma menina que sofreu bullying e o venceu, é o que diz a sinopse. E o venceu, já dando um pequeno spoiler, com ajuda da sétima arte, ele, minha paixão: o cinema. O título do livro tem duas explicações. A primeira é bem óbvia: foi inspirado em “Menina Bonita do Laço de Fita”, de Ana Maria Machado, clássico da literatura infantil que só fui ler já adulta. Uma curiosidade: como a autora, minha mãe se chama Ana Maria – mas não é Ana Maria Machado, e...

Resenha: A contadora de filmes, de Hernán Rivera Letelier

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Cinema é tudo para mim. Foi o que me deu forças para continuar no momento mais difícil da minha vida. É o meu combustível diário, minha paixão, minha profissão*. Sem cinema tenho sintomas de abstinência, e a vida perde um pouco o colorido. Por isso eu leio tudo sobre cinema. Por isso eu li “A contadora de filmes” há muitos anos. Por isso reli o livro para refrescar a memória e me preparar para a estreia da adaptação cinematográfica. Maria Margarita é a mais nova entre cinco irmãos, todos os outros homens. O pai sofrera um acidente de trabalho nas minas de sal, deixando-o paralisado da cintura para baixo. A mãe abandonara a família quando a desgraça se abateu. O dinheiro era contado, para os bens essenciais e para o bem mais essencial para a mente: uma ida semanal ao cinema. Houve um concurso entre os filhos: quem contasse melhor o filme visto, com mais riqueza de detalhes, ganharia o direito - o dever! Um dever deveras prazeroso - de ir semanalmente ao cinema e voltar para casa para ...

Papel & Película: Ainda Estou Aqui (2024)

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  *A coluna Papel & Película trata de literatura e cinema através de artigos sobre adaptações de obras literárias para o audiovisual. Escrevi a coluna semanalmente durante alguns anos para o finado site Leia Literatura. Este é um artigo inédito* Eu não podia deixar de participar do maior evento cinematográfico do Brasil em 2024: a estreia do nosso candidato ao Oscar e premiado no Festival de Veneza. “Ainda Estou Aqui” já é um sucesso comercial imenso, com mais de 8,5 milhões arrecadados no primeiro final de semana de exibição nos cinemas. Fui no quinto dia após a estreia e contribuí com meus 39 reais para a bilheteria. E não saí da sessão nem um pouco decepcionada. A história contada é de quem fica. Quem fica é Eunice Paiva (Fernanda Torres). Quem vai é seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello). Vai, não: é brutalmente levado por agentes da ditadura para “prestar depoimento”. Dias depois Eunice e sua filha adolescente também são levadas para depor e passam por t...