Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro

 

Quem é vivo sempre aparece, diz o ditado. Quem é morto-vivo também, e eu sou prova disso. Ano passado, e no começo deste ano também, eu quase morri, mas até o final do ano eu (espero, talvez, quem sabe) não morro. E não, não foi de COVID. Foi de Brasil, como já apontaram por aí: quem tem um mínimo de humanidade e empatia está adoecendo de Brasil. Eu sempre fui fascinada pela pandemia de gripe espanhola, mas nunca me perguntei o que eu faria numa pandemia. Mesmo assim, descobri: faria - e faço - o possível. Ajudo. Reclamo. Respiro fundo, de máscara. E surto às vezes. Mesmo que minha rotina não tenha sido mudada pela pandemia - sempre trabalhei em home-office - tudo mudou e essa mudança, não para melhor, paira no ar e também adoece. O que eu faria numa pandemia? Tentar permanecer viva: isso já dá trabalho demais.

O título do post vem de uma música do Belchior, com a qual eu fiquei obcecada vendo a maravilhosa série “Segunda Chamada”, no que parece o longínquo ano de 2019. Lembro-me de pensar que não aguentaria esperar um ano pela segunda temporada daquela série incrível, e me alegrei ao saber que a série havia feito tanto sucesso que a nova temporada estrearia mais cedo, em meados de 2020. Mais de um ano depois, continuo sem a segunda temporada, cujas gravações parecem estar paradas.

Segunda Chamada” é uma série sobre educação. A história - seria melhor dizer as histórias - se passa numa escola pública, no turno da noite, quando pessoas de todas as idades estudam para completar o ensino médio. Sabemos que a educação é mais uma das vítimas da pandemia, pois em muitas ocasiões os professores foram acusados de ser vagabundos que estão recebendo salário sem trabalhar. Quem faz essas acusações nem imagina como os professores tiveram de reinventar a roda ao se adaptarem às aulas remotas.

Eu sempre fui muito interessada em educação. Talvez seja porque minha mãe é professora. Talvez seja porque eu sei que a educação é capaz de mudar tudo - e os políticos também sabem disso, por isso a sabotam. Talvez seja porque eu nunca saí da escola desde que entrei, lá em 1999, no milênio passado. Depois de ensino fundamental e médio, foi faculdade, pós, curso livre, EAD, curso de idiomas: sempre estive inserida de alguma forma num sistema de aprendizagem. E ler também envolve aprender.

Por isso volto ao blog. Reorganizando as postagens, consertando links quebrados e imagens que não apareciam, vi-me sendo nostálgica em relação ao passado não tão distante, nos anos de 2014, 2015, quando era feliz e não sabia. Tudo parecia bem mais simples naquela época, é a impressão que eu tenho em retrospectiva. Mas voltei, sem previsão nem promessa de fazer X posts por mês, sem me cobrar, apenas para continuar esse diário de leituras de uma quase-escritora que aprendeu a não ligar tanto para ter ou não leitores - embora, claro, me alegre quando algo que eu escrevi seja lido e influencie alguém, mesmo que seja uma humilde resenha. Voltei, porque tudo mudou, mas o amor pela arte não mudou - não pode mudar nunca, porque arte salva - e porque a letra da música do Belchior nunca me descreveu tão bem, nunca descreveu tão bem os professores e os doentes de Brasil:

 


Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte

Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte

E tenho comigo pensado

Deus é brasileiro e anda do meu lado

E assim já não posso sofrer no ano passado

Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro

Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro.”

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