Resenha: A Cachorra, de Pilar Quintana

 

Mãe de planta. Mãe de pet. Mãe de gente. Mãe de anjo. A maternidade - e a maternagem, esse termo que não tínhamos o costume de usar - mudou muito nos últimos tempos. “Ser mãe” vai muito além de ter filhos biológicos, e cada vez mais passa a ser visto como algo associado a dar afeto - muitas vezes com segundas intenções, até mesmo no discurso de que mulheres precisam ter filhos para serem cuidadas por eles na velhice. Por vermos agora tantas facetas diferentes da maternidade, surgem, nas mídias diversas, várias obras sobre maternidade. Uma delas é o romance “A Cachorra”.


Damaris é uma mulher pobre que vive numa vila litorânea perto da região de Cáli, na Colômbia - um bocado distante do point turístico litorâneo do país, Cartagena. Ela é casada há mais de 20 anos com Rogelio, e se ressente muito por nunca ter conseguido engravidar. Como “profissão”, toma conta, aparentemente sem receber salário, de uma casa de veraneio cujos donos não aparecem há décadas para passar as férias. Damaris tem uma ligação profunda com a casa que toma conta, por ter sido testemunha - e talvez, na cabeça dela, agente - de uma tragédia que atingiu Nicolasito, filho dos donos da casa.
Um dia, a cadela de uma conhecida tem cachorrinhos e Damaris adota um filhote, a única fêmea da ninhada, e a batiza de Chirli, em homenagem a uma Miss Colômbia chamada Shirley. De repente, surge este ser peludo para quem Damaris finalmente pode dar seu amor materno incondicional e sua atenção plena. E, como em toda relação materna, é esperada uma reciprocidade da cachorra. E quando o amor materno não é compensado pelo objeto a quem se destina tanto afeto?
No nosso grupo de leitura - ou clube do livro, chamemos de ambas as maneiras - conversamos muito sobre como as atitudes de Damaris são quase todas atravessadas pela culpa e pelo, se essa palavra realmente existe, serventilismo. Culpa porque ela sente, e talvez até goste de senti-la, em especial em relação ao incidente de Nicolasito. E o ato de servir sempre, mesmo que isso não resulte em nada para ela, nem um pagamento digno, vem um pouco da culpa, mas também pode vir da maneira como ela, mulher de pele escura, fora criada: na miséria, sem pai, longe da mãe que trabalhava em outra cidade, sem perspectivas de melhorar de vida.
Li “A Cachorra” na versão original, em espanhol, para treinar minha compreensão no idioma. No começo precisei de um pouco da ajuda do dicionário, mas depois a leitura fluiu bem, com apenas algumas pausas para procurar palavras desconhecidas - como “muelle”, que de tanto ler ficou na memória que significa “docas”. Por causa desta minha experiência positiva, recomendo muito que quem quiser leia o livro no original, pois assim nos aproximamos mais da autora e de seus objetivos.

O veredicto: 3 MINIONS!



Bom!

Comentários

  1. Completíssima resenha, aliás sua marca registrada, seu DNA de verdadeira expertise na área.
    Mas, nosso blogue HUMOR EM TEXTOS, tenta resgatar um pouco de alegria (esperamos) nessa nossa ultima edição sob o titulo: Júlio e Juliana em pânico que pretende ser RELEITURA PÓS-MODERNA DE UM DIÁLOGO AFETIVO e imaginem o que pode vir por aí.
    Como seu antigo seguidor espero sua honrosa presença por lá.
    Um abração carioca.

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