Resenha: Constelação de Gênios, uma biografia do ano de 1922, de Kevin Jackson

 


O que faz de um ano extraordinário? Nas nossas vidas de reles mortais, pode ser um acontecimento, um marco, uma grande viagem ou uma conquista espetacular. Mas e se estivéssemos falando mais objetivamente: o que faz de um ano extraordinário? 1922 certamente foi extraordinário para muitas pessoas que o viveram, mas por si só, pelas coisas que aconteceram neste ano, 1922 pode ser considerado extraordinário. É isso que defende, em um calhamaço de quase 600 páginas, o autor Kevin Jackson. E é essa biografia do ano de 1922 que eu me comprometi a ler em 2022, cem anos após os fatos narrados terem acontecido.

1922 é o ano em que se passa a ação do grande romance norte-americano “O Grande Gatsby”. Foi o ano em que estrearem filmes como “Robin Hood” de Douglas Fairbanks, “Nosferatu” e “Häxan”. Foi o ano da nossa Semana de Arte Moderna. E foi o ano em que duas obras literárias seminais foram publicadas: o romance “Ulisses” de James Joyce e o poema “A Terra Devastada” de T.S. Eliot. O livro toma como espinha dorsal estas duas efemérides literárias para contar a história de um ano, focando muito nas ações de Joyce e Eliot e nas reações às duas obras.

A literatura é carro-chefe que carrega o livro, que infelizmente é demasiado eurocêntrico. Sobre a nossa Semana de Arte Moderna só encontramos uma página, tímida e objetiva, com um relato resumido do que foi o acontecimento. É impossível que mais nada de interesse tenha acontecido na América Latina, África e Ásia para justificar deixar de fora estas regiões da narrativa.

Nas páginas finais, o autor fornece mais detalhes da vida pré e pós 1922 dos mais importantes nomes citados no livro. Nessa seção, ao contabilizar os crimes de ditadores da esquerda, fornece combustível para a direita histérica e delirante se defender, pois com os números ali apresentados podem dizer que “Stálin matou mais do que Hitler”, como se vidas humanas perdidas pudessem ser comparadas objetivamente - e como se toda pessoa de esquerda fosse necessariamente stalinista.

A tradução para a Editora Objetiva foi feita por Camila Mello, que se sai bem com uma ressalva importante: quando fala do “cameo” de Buster Keaton no filme “Crepúsculo dos Deuses” (1950), ela traduz o termo como “camafeu”, ao pé da letra, pois certamente desconhece que, no cinema, “cameo” é o nome dado a uma participação especial. Dito isto, parabenizo a tradutora pelo restante de seu trabalho, pois tenho certeza de que ela entende muito de literatura e outras artes - mas talvez nem tanto assim de cinema - para tecer uma versão de leitura fluida.

Minha ideia original era ler o livro durante o ano todo, acompanhando as efemérides: assim, reviveria literariamente os acontecimentos exatamente 100 anos após eles ocorrerem. Previ que me atrasaria em algum momento com este projeto, e o atraso veio logo na primeira viagem que fiz no ano, embora eu corresse atrás do prejuízo com frequência. No final do ano, estava apenas alguns dias atrasada em relação à minha meta autoimposta.

Conheci “Constelação de Gênios” de maneira bem convencional : lendo uma crítica do livro numa revista de grande circulação enquanto esperava pelo meu horário num consultório médico. Comprei o livro, impelida pela crítica positiva, e não me arrependo de tê-lo comprado e finalmente tê-lo lido. Saí da experiência literária com novos entendimentos sobretudo da literatura no século passado, e cada vez mais apaixonada pelas artes.

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