Resenha: A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath
Existem livros que entram na nossa vida e ficam
na nossa lista de “próximas leituras” por muito tempo, até surgir a
oportunidade perfeita. “A Redoma de Vidro” foi um desses livros. Ouvi falar
através de amigas - que inclusive o têm como livros que mudaram a vida delas -
e sempre quis lê-lo. O grande dia chegou, quando foi escolhido como livro do
mês do clube de leitura Feito por Elas. Li-o, apreciei muito a prosa única de
Sylvia Plath, e terminei-o num dia sugestivo: no segundo aniversário de minha
tentativa de suicídio.
Conhecemos Esther Greenwood quando ela está
fazendo um estágio numa revista em Nova York. Nesta primeira metade do livro,
suas interações com as outras meninas que moram no mesmo hotel que ela são o
ponto alto da narrativa. É pelos olhos de Esther que conhecemos Doreen, Betsy,
Hilda e outras que são só citadas. Mesmo em um meio glamouroso e excitante,
Esther já demonstra certa apatia, bastante presente, por exemplo, em sua birra
com filmes em Technicolor, que eram a grande atração dos cinemas nos anos 1950,
época em que se passa essa primeira parte da história.
Este é um livro sobre depressão, escrito por uma
mulher que teve depressão, e que acaba de ser lido por mim, uma mulher que luta
contra depressão há mais de dez anos. O círculo depressivo em que Esther cai
depois de voltar à sua cidade natal é bem familiar: ela não consegue mais
dormir, comer nem ler, não toma banho porque lhe parece uma coisa estúpida, se
sente assustada, sem ar e sem saída. É a descrição perfeita do processo
depressivo - um termo que talvez não exista no mundo médico, mas que aqui cabe
perfeitamente. É uma espécie de morte em vida: essa definição não é posta em
palavras no livro, mas fica óbvia.
A mãe de Esther fala num determinado momento,
depois da primeira sessão de eletrochoque, que ficara feliz porque Esther não é
como as outras pessoas da clínica: ela havia resolvido “voltar a ficar bem”.
Ela também diz que a única maneira de Esther melhorar era passar tempo com
pessoas que estivessem piores que ela, pois o caso dela era de quem “passava
muito tempo pensando sobre si mesma”. Ignorância sobre doenças mentais ainda
existe, infelizmente, mas já foi bem mais comum, como a construção desta
personagem mãe nos mostra.
Lendo “A Redoma de Vidro” ficamos felizes em ver
como a medicina psiquiátrica evoluiu nos últimos 50 anos. Sem descrições
exageradas, apenas com as palavras certeiras, Sylvia Plath nos apresenta a
técnicas como a lobotomia, o eletrochoque e a bizarrice das injeções de
insulina em pacientes internados nas clínicas psiquiátricas. Embora existam
pessoas advogando pela volta de alguns destes tratamentos, é reconfortante pensar
que eles ficaram no passado, mas ao mesmo tempo é triste pensar em quantas
pessoas eles vitimaram.
É muito interessante quando a autora diz que as
garotas que estudavam, fofocavam e jogavam bridge nos dormitórios da faculdade
também viviam sob uma espécie de redoma de vidro. Experimentando uma liberdade
inédita, mas sendo preparadas para a vida doméstica: aqui vale a crítica de que
a socialização feminina, voltada para um futuro cujas certezas são a
maternidade e a vida de dona de casa, é algo que também enlouquece. Por isso
podemos afirmar que “A Redoma de Vidro” é um marco na literatura feminista.
A escrita de Sylvia Plath é tão boa - verdadeiramente
inspirada - que acho que minhas palavras nesta resenha não fazem jus a ela.
Entendo que não seja uma leitura para todos, haja vista a quantidade de
gatilhos para suicídio e depressão. Há também breves passagens um bocado
preconceituosas, que incomodam o leitor moderno. Entretanto, suas metáforas e
comparações são excelentes, tornando a leitura mais próxima de nós. Sylvia pode
ter escrito apenas um romance antes de ela própria sucumbir à depressão, mas
este romance é uma obra-prima.
O veredicto:
5 MINIONS. EXCELENTE!
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