Papel & Película: Ainda Estou Aqui (2024)
*A coluna Papel & Película trata de literatura e cinema
através de artigos sobre adaptações de obras literárias para o audiovisual.
Escrevi a coluna semanalmente durante alguns anos para o finado site Leia
Literatura. Este é um artigo inédito*
Eu não podia deixar de participar do maior
evento cinematográfico do Brasil em 2024: a estreia do nosso candidato ao Oscar
e premiado no Festival de Veneza. “Ainda Estou Aqui” já é um sucesso comercial
imenso, com mais de 8,5 milhões arrecadados no primeiro final de semana de
exibição nos cinemas. Fui no quinto dia após a estreia e contribuí com meus 39
reais para a bilheteria. E não saí da sessão nem um pouco decepcionada.
A história contada é de quem fica. Quem fica é
Eunice Paiva (Fernanda Torres). Quem vai é seu marido, o ex-deputado Rubens
Paiva (Selton Mello). Vai, não: é brutalmente levado por agentes da ditadura
para “prestar depoimento”. Dias depois Eunice e sua filha adolescente também
são levadas para depor e passam por tortura psicológica. Os dias de horror nos
porões da ditadura incentivam Eunice a ir com seus cinco filhos para São Paulo
e escrever um novo capítulo na vida da família sem, contudo, esquecer o passado.
Afinal, quem esquece o passado não tem futuro.
O ponto de partida – mas não guia fiel – do filme
é o livro homônimo do único filho homem de Eunice, Marcelo Rubens Paiva,
publicado em 2015. A obra literária parte das visões de uma criança, o próprio
Marcelo, sobre o contexto histórico funesto, enquanto a cinematográfica tem a
visão de Eunice. No livro, Marcelo ainda discorre longamente sobre o
diagnóstico e tratamento do Alzheimer de Eunice no fim da vida, enquanto no
filme esse capítulo se resume a uma única, porém forte, cena, na qual Fernanda
Montenegro dá um show de atuação sem dizer uma única palavra.
Durante a sessão, que foi às 14h15 e ainda tinha um público considerável de senhorinhas, de repente uma mosca quase entrou no meu nariz. Uma metáfora perfeita para os neoconservadores pedindo a volta da ditadura: você está cuidando da sua vida - o que eles também deveriam fazer, mas não conseguem - quando eles chegam e tentam dar o bote. Mas, felizmente como a mosca, não conseguem seu intento de infiltrar nas entranhas das pessoas e da política.
Disse no Twitter do Cine Suffragette e repito: negar
a ditadura brasileira é como negar o Holocausto. E pedir por uma nova ditadura
deveria ser crime contra a Humanidade. Por isso, mais do que nunca, essas
histórias precisam ser contadas. Duras histórias reais como a de Rubens e
Eunice, ou igualmente duras histórias inspiradas em histórias reais, como no meu
romance Anos de Chumbo, que de uns tempos para cá se tornou leitura
obrigatória. Obrigatório também é o filme, que já nasceu clássico – e pode nos
ajudar a ganhar o tão sonhado Oscar.
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