Machado & Patrícia: vilões ou heróis?

Vocês devem ter visto a polêmica criada esta semana quando a escritora Patrícia Secco apresentou um projeto ao Ministério da Educação que consiste em reescrever obras de Machado de Assis para um público mais “simples” (veja a reportagem da UOL aqui). Milhares de pessoas vieram com pedras na mão para criticar Patrícia, que estaria fazendo um desserviço à educação brasileira e a todos os leitores do país, que no final das contas não são muitos. Mas, adivinhem? Adaptações de obras literárias clássicas já foram feitas muitas vezes. E foram elogiadas!

Quando eu tinha 14 anos, tive de ler Dom Casmurro. Mas não “O” Dom Casmurro. Era uma adaptação da obra-prima de Machado, com a narração passada da primeira para a terceira pessoa, e muitas palavras simplificadas. O autor era Fernando Sabino, a editora, Ática. Ou seja, havia nomes de peso por trás da publicação. E Fernando Sabino não fez a mudança de voz narrativa por conta própria e depois decidiu mandar o original para a editora para ver o que acontecia. Foi uma obra encomendada.

Outro caso semelhante é o da coleção Descobrindo os Clássicos, da Editora Ática. Eles também fizeram parte da minha vida escolar entre os 13 e 14 anos. Cada livro da série apresenta o leitor a um clássico da nossa literatura através de um personagem que entra em contato com o livro e, através da leitura, algo muda na vida dele. Alguns trechos, com as palavras originais, aparecem aqui e ali durante o livro. Cada volume é assinado por um escritor consagrado, como Moacyr Scliar e Luiz Antônio Aguiar. E, adivinhem: há uma adaptação de Dom Casmurro nesta coleção, sob o delicado nome de “Dona Casmurra e seu tigrão”, e uma de “O Alienista” chamada “O mistério da Casa Verde”.

Depois de ler alguns volumes da coleção Descobrindo os Clássicos, tive a oportunidade de ler os originais. E, surpresa: muitas partes não foram comentadas na coleção. De fato, nem tudo era importante para o desenvolvimento da nova história, mas isso mostra um ponto crucial: ler um livro da Descobrindo os Clássicos não impede ou atrapalha a leitura posterior do clássico.

E é essa a grande sacada: o Machado adaptado de Patrícia Secco não fará com que o original deixe de ser lido, comprado ou exigido em escolas e vestibulares. Sim, o livro facilitado pode ser lido por alunos, mas também por profissionais com pouco tempo ou estudo (imagine um ascensorista lendo durante sua folga e carregando um dicionário para consultar palavras desconhecidas?) ou qualquer outra pessoa que queira conhecer Machado sem medo. É melhor ter lido uma versão adaptada de “O Alienista” que nunca ter ouvido falar sobre a obra!

Mas o buraco é mais embaixo: como vocês viram, as obras adaptadas encomendadas por editoras foram feitas por escritores conhecidos. Apesar de ter 250 (!) livros no currículo, Patrícia Secco não é conhecida do grande público e sequer ganhou grandes prêmios literários. E ela não foi contratada por uma editora para o projeto, mas apresentou-o ao Ministério da Educação. Isso aconteceu no site Reciclick e, surpresa: dos dois posts publicados no mesmo dia, apenas aquele sobre a adaptação de “O Alienista” recebeu críticas e comentários. O outro, sobre a adaptação de “A Pata da Gazela”, de José de Alencar, foi ignorado. O que Machado é mais que Alencar? Para mim, ambos são igualmente geniais.

Agora, o horror: há uma adaptação de “O Alienista” com o singelo nome de “O alienista caçador de mutantes”. Sim, juntaram o universo sobrenatural que faz sucesso atualmente com os clássicos da literatura. Dessa safra fazem parte títulos de embrulhar o estômago como “Jane Austen: A Vampira”, “Escrava Isaura e o Vampiro”, “Senhora, a Bruxa”, “Orgulho, Preconceito e Zumbis” e “Dom Casmurro e os Discos Voadores”, da coleção Clássicos Fantásticos da Editora Leya. E esses negócios fizeram sucesso. Seria por que os autores tiveram o trabalho e criatividade de imaginar uma história complementar? Não, porque a adaptação de Patrícia sem dúvida daria muito trabalho para ser feita! Então por que Patrícia Secco está sendo crucificada? Ah, é, porque ela não é uma autora conhecida, não está bancada por uma editora e parece que os anos dedicados ao projeto Ler é Fundamental (que distribuiu 20 MILHÕES de livros) não lhe serviram de nada frente ao julgamento do público. 

Comentários

  1. Lê tudo bem querida???? Espero que sim!!!! Obrigada pela presença lá no blog =)
    Confesso que fiquei sabendo por alto dessa polêmica e até comentei com o meu marido que não entendia pq as pessoas estavam criticando. Acredito que o importante é despertar a curiosidade e a vontade de ler e com certeza se a história for interessante o leitor irá na fonte e lerá o clássico original.

    Mas discordo com vc quanto a série da Leya. Já li Senhora, a bruxa e achei bem interessante. Na época da escola li Senhora de José de Alencar e simplesmente fui fisgada e a partir de então não parei mais. Então quando soube dessa releitura fiquei curiosa e tem resenha lá no blog, caso queira mais detalhes da minha opinião, enfim sou a favor de tudo que incentive a leitura.
    E quanto a polêmica em cima da Patricia Secco, pense que quem quis prejudicar a mesma acabou ajudando a divulgar ela e seu trabalho para um número maior de pessoas.
    Beijos querida e ótimo fim de semana.

    Leituras, vida e paixões!!

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  2. Gente, eu não sabia dessa polêmica toda! Seu post ficou muito bem escrito e explicado. Concordo contigo! As adaptações que li quando mais nova me instigaram a buscar os textos originais e nunca vi nada de mau nisso. Beijos!

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  3. Pra falar a verdade não li adaptações desses livros que pedem na escola, prefiro ler o original (que nem sempre é tão original assim, mas enfim)- por mas que muitas vezes sofra tentando entender palavras e significados, mas enfim. Isso vai de cada um. Acredito que a Patricia não deveria ser crucificada dessa forma, ela só está querendo ajudar, né meu povo? haha, mas é assim mesmo..
    Beijos
    Renata.
    viciadas-em-livros.blogspot.com.br

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  4. Cá em Portugal os livros que pedem para ler na escola são um pouco diferentes. De qualquer forma a dificuldade de entender o significado das coisas é equivalente.
    Já comecei a seguir o seu blog.

    Estou a começar na blogsfera, importa-se de dar uma olhadela?
    worldandthought.blogspot.com

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  5. Ótimo texto em primeiro lugar!
    Acredito que que Patrícia foi muito corajosa. Machado de Assis estando em um posto tão auto na nossa literatura merece ser digno de uma adaptação exemplar! Não acho que essas adaptações sejam ruins, muito pelo contrário, acredito que elas são a porta de entrada para que jovens se interessem por ela.
    É um passo para que a gente pare de achar os livros da escola chatos... Já existem tantos, por que não os dela?

    tofalandoisa.blogspot.com.br

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  6. Cara Letícia penso que a questão que você aborda possa mesmo gerar polêmicas..., na minha opinião não se deve de modo algum tentar reescrever aquilo que um escritor escreveu procurando transmitir a mensagem da obra, ainda que para melhor compreensão desta posteriormente, devido ao fato de que acredito ser melhor deixar simplesmente que cada leitor vá descobrindo através da leitura sua compreensão ou não, e até abandoná-la e quem sabe depois, voltar a ler. Pode até ser que alguns que já possuem um nível de escolaridade suficiente aproveite, como penso ter lido de passagem em alguns comentários aqui postados... mas somente nesse caso. O que é em pouco número de pessoas aqui no Brasil.

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