Resenha: A Correspondência de uma Estação de Cura, de João do Rio
“A
Correspondência de uma Estação de Cura” é caso raro na literatura brasileira:
um romance epistolar, isto é, com sua prosa composta por cartas. Igual a este
temos, na literatura alemã, o famoso “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de
Goethe. Mais curioso que a maneira como o romance é construído é, para mim, o
fato de que ele se passa em minha cidade, a pequena Poços de Caldas, que há um século
era uma das mais disputadas estações termais do Brasil. Li o livro, que há
muito conhecia de nome é me intrigava, por ocasião dos 150 anos da cidade.
As
cartas são escritas por todos os tipos que se encontravam na estância na
temporada de 1917: gente da elite paulista e carioca, jovens mancebos com
segundas intenções, criados de hóspedes, um gerente de um hotel, moças buscando
ao mesmo tempo a diversão e o amor, uma cantora que usa um pseudônimo para
nunca descobrirem que, para ganhar a vida, ela cantava em estações termais. Em
uma carta é possível encontrar passagens já narradas por outras missivas, o que
é bastante interessante, um verdadeiro deleite literário - muito semelhante aos
“Easter eggs”, às referências brincalhonas que aparecem vez e outra em filmes
de um universo compartilhado.
O
destaque para mim foi uma carta de Theodomiro contando sobre dois sujeitos:
Joaquim, caboclo que não comia e só tomava café para sobreviver, e Giuseppe,
italiano glutão que comia tudo o que se punha à sua frente. Os veranistas
desprezam Joaquim, que só atrai a atenção “científica” de dois médicos, mas se
amontoam para assistir a Giuseppe comendo sem parar. Esse episódio poderia
gerar uma reflexão que Theodomiro não faz, mesmo acabando a missiva com a bela
máxima “Comer, ainda é o único verbo imperial do mundo”.
Gostei muito das referências ao balneário dos
Macacos, perto de onde moro, e do cinema Polytheama, do qual ouvi muito falar.
Uma citação que levou a um pequeno trabalho de detetive foi do filme, em
português, “A Filha do Circo”, que descobri ser no original “The Adventures of
Peg o’ the Ring”, seriado de 1916 com meus velhos conhecidos Grace Cunard e
Francis Ford. No livro, a avaliação do personagem é esta: “A Filha do Circo é
de se pasmar”. São destaques como este que nos dão um vislumbre de um filme que
atualmente está perdido.
Perto do fim do livro, um dos missivistas diz
que todos os personagens da história giravam em torno de uma só coisa em comum:
o dinheiro. Fossem os que tinham muito, os que buscavam ter, os que apostavam,
ganhavam ou perdiam na roleta ou nos cassinos - de fato, todos os personagens
têm suas ações motivadas pelo ou como consequência do dinheiro. Isso me lembrou
de outra obra com a mesma questão, de “money makes the world go round”:
“Menschen im Hotel”, romance alemão que foi adaptado para o cinema, dando
origem ao glorioso filme “Grande Hotel” (1932), um dos meus filmes favoritos.
“A Correspondência de uma Estação de Cura”
foi uma leitura fluida, divertida mas com momentos para reflexão. Foi a
primeira obra que li de João do Rio, este grande literato - aos 29 anos foi
eleito para a Academia Brasileira de Letras, sendo o primeiro a usar o hoje
famoso fardão na posse - que há mais de cem anos veraneou em Poços de Caldas e
se inspirou com a cidade.
Frase favorita: “Há mais crueldade num coração de
dama caridosa que na mais feroz alma de apache.”
O Veredicto: 4 minions!
Ótimo!
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