Resenha: Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles
Ah, a infância! Época de brincadeiras mil, sem
preocupações nem deveres além dos da escola. Que saudade tantos têm dela, como
Casimiro de Abreu com seus oito anos e a aurora da vida. Mas a infância também
pode ser sombria e dramática. Uma infância assim, com problemas que inclusive
arrepiariam gente grande, nos é apresentada em “Ciranda de Pedra”, da grande
escritora Lygia Fagundes Telles, como prelúdio para uma idade adulta não menos
conturbada.
Lygia salpica informações para que nós juntemos
as pecinhas da narrativa, que é sobre Virgínia, filha do casal separado Laura e
Natércio, irmã mais nova de Bruna e Otávia, amiga de Conrado e Letícia, enteada
de Daniel, a quem chama de “tio”.
Sempre comparada com as irmãs pela governanta
Frau Herta, empregada do pai, Virgínia tem uma revelação terrível no final da
primeira parte e começa a segunda como aluna-exceção – afinal, era filha de
pais separados, um escândalo! – da escola de freirinhas, na qual sua
“preferida” era Irmã Mônica. Ela é vista já prestes a sair do internato e cair
novamente naquela ciranda da qual parecia ser só espectadora.
Bruna alega que a mãe mereceu a doença mental
por ter largado o marido e as filhas e ido viver com outro homem. Era castigo,
a filha mais velha garantiu para a irmã caçula. Na segunda metade do livro,
vemos Bruna seguindo o mesmo caminho da mãe, traindo o marido Afonso, mas
agindo como a mais casta das esposas, no que Lygia descreve como “um amor de
catacumba”, chamando em seguida Bruna de “égua bíblica”.
Um elemento do livro envelheceu mal: o
preconceito. A empregada negra Luciana é descrita como burra, se desdenha dela.
No início do capítulo IV, uma frase que hoje nos faz arregalar os olhos: “Ser
preto era triste e no céu só tinha que ter alegria”. No internato, mais
preconceito: desta vez com a colega gorda Luela, descrita também como burra e
“de olhar bovino”. A homossexualidade de minha xará, curiosamente, não é
criticada, mas apenas sugerida, ao bom leitor entendedor, para quem meia
palavra basta.
A infância em “Ciranda de Pedra” não é tempo de idílio. É cheia de tragédias e segredos. A idade adulta não é muito diferente, com a confusão de sentimentos e a necessidade de parecer ser, estar e agir de determinadas maneiras.
A edição que eu li vinha com posfácio, contendo
um texto, quase recontando e interpretando a trama e apresentando trechos, da
autoria de Silviano Santiago; uma carta elogiosa do amigo Drummond e um
depoimento igualmente elogioso de um ex-professor de Lygia, Silveira Bueno.
“Ciranda de Pedra” foi publicado em 1954, ano
que a própria Lygia considera como o pontapé inicial de sua obra, tendo
renegado os contos publicados antes da data por considerá-los “prematuros” e
frutos de uma mente imatura. Lygia Fagundes Telles, podemos então dizer,
começou como pé direito na literatura e, o que já sabemos, de uma estreia
primorosa continuou em crescendo nas obras posteriores, se tornando uma das
maiores escritoras brasileiras.
O veredicto: 4 MINIONS!
ÓTIMO!
Frase favorita (autoria de Conrado): “A
distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos
caminhos curvos que se encontram as melhores coisas”.
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