Papel & Película: Confissões de uma garota excluída

 

*A coluna Papel & Película trata de literatura e cinema através de artigos sobre adaptações de obras literárias para o audiovisual. Escrevi a coluna semanalmente durante alguns anos para o finado site Leia Literatura. Este é um artigo inédito*

Para tudo, Brasil, polo Norte e China!

É assim que a protagonista do livro “Confissões de uma garota excluída, mal-amada e (um pouco) dramática” se expressa em diversas ocasiões. É um livro fofo e previsível de Thalita Rebouças. Foi meu companheiro de aeroporto em cinco viagens ao longo de dois anos. Sim, eu só o lia esperando o horário do voo, e a narrativa é tão simples que não fazia mal haver um grande intervalo de tempo entre as vezes que eu pegava o livro. Além da história bem previsível, a autora salpicou algumas receitinhas fáceis que eram feitas pela protagonista, Tetê - apelido para o exótico nome “Teanira” -, uma menina que viu sua vida virar de cabeça para baixo quando o pai perdeu o emprego e ela precisou ir morar com os avós.

No primeiro dia na escola nova, Tetê (Klara Castanho) faz amizade com dois outros excluídos, Davi (Gabriel Lima), o garoto criado pelos avós, e Zeca (Marcus Bessa), o gay assumido BFF. Ela também conhece e se apaixona à primeira vista por Erick (Lucca Picon), mas o problema é que ele já tem namorada: a arrogante e popular Valentina (Júlia Gomes).

O evento de arromba que serve como catalisador para conflitos e mudanças nas relações entre os personagens é uma grande festa de aniversário - aniversário do Orelha no livro e da Laís no filme, que também difere por ser uma festa à fantasia. Também existe só no filme o interesse amoroso de Davi por Laís, que o despreza por ser nerd. E o nude de Valentina, espalhado para toda a escola, é substituído no roteiro por um bem mais inofensivo vídeo da garota criticando os colegas.

Além de Thalita Rebouças, o roteiro para o filme foi feito também por Flávia Lins e Silva e pelo diretor Bruno Garotti. Rebouças e Garotti já haviam trabalhado juntos em outra adaptação de um livro dela para os cinemas, “Tudo por um Pop Star” (2018), no qual Klara Castanho, que vimos crescer em frente às câmeras, também trabalha.

Zeca é um estereótipo ambulante. Homossexual e orgulhosamente fora do armário, ele é o tipo de “melhor amigo gay” que apenas existe para dar conselhos para sua amiga, no caso, Tetê. Algumas de suas falas não são opiniões nem críticas, mas soam como comentários maldosos. Isso acontece mais no filme que no livro.

Soa mal que, em pleno século XXI, uma garota precise passar por uma mudança de visual para ter amigos e ser feliz. É uma mudança pequena, é verdade, só se depilando e trocando algumas roupas, mas está dado o recado: é preciso ser feminina para ser feliz.

Thalita Rebouças tem mais de 20 títulos publicados em 25 anos de carreira. Seus livros venderam mais de dois milhões de cópias. Suas obras já foram adaptadas para musicais, para os cinemas e para o streaming, uma vez que desde 2020 a autora tem contrato de exclusividade com a Netflix. No mundo literário, ela foi mais além com a história que conta em “Confissões de uma garota excluída, mal-amada e (um pouco) dramática”: escreveu já quatro livros a partir deste, cada um focando numa trajetória de um personagem.

Eu não sou mais o público-alvo do livro nem do filme. Minha adolescência já passou faz tempo - ainda bem! Era uma garota excluída como Tetê, mas encontrei a felicidade não em outras pessoas, mas em outra coisa: o cinema. Quase não me identifiquei com a história, mas ela me acompanhou em muitos momentos que antecederam dias muito divertidos. E por isso, a ela sou grata.

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